Como criamos galinhas livres na agrofloresta do nosso sítio
Um ambiente rural como o nosso sítio não seria completo sem a presença das galinhas, não somente porque são simbólicas em sítios e fazendas, mas também porque são animais que fazem parte da maioria dos sistemas de produção de alimento em propriedades rurais.
Em nosso sítio não criamos os animais da forma convencional, as galinhas são criadas livres para circularem nas áreas dentro de nossos sistemas agroflorestais e ficam presas no galinheiro apenas durante a noite, para proteção contra predadores e intemperismo. A liberdade que as galinhas têm para passearem livremente, aproximando as aves de um ambiente mais natural, é responsável por aumentar o bem estar dos animais e consequentemente aumentar a sua produtividade. Esta forma de criar as galinhas é baseada em nossa prática diária, mas também é confirmada por pesquisa científica que simula a criação destas aves em ambiente semelhante a uma floresta.
Nossa experiência com as galinhas vivendo livremente
Quando começamos a criação de galinhas aqui no sítio, também estávamos trabalhando na implantação de alguns sistemas agroflorestais. Essa coincidência permitiu que tivéssemos a oportunidade de observar e experimentar a dinâmica das galinhas circulando e ciscando livremente nas áreas de produção agrícola que estavam sendo trabalhadas diariamente. As galinhas ficavam presas somente durante o período noturno, para proteção contra predadores, chuva, vento e frio.
Esta experiência nos mostrou como as galinhas podem ajudar no controle da população de insetos, lesmas e outros invertebrados. Além disso elas também comem as plantas espontâneas, recém nascidas ou no começo do seu crescimento, que aparecem dentro da agrofloresta.
Estas duas contribuições facilitam o manejo das plantas indesejadas, consideradas ervas daninhas, e evita o aumento descontrolado de animais que são considerados pragas na lavoura. Outra vantagem de ter a presença das galinhas na agrofloresta é o incremento na qualidade da alimentação das aves, devido à grande diversidade de fontes.
Pesquisa científica avaliou a criação de galinhas em sistemas agroflorestais
Um estudo, cuja proposta foi avaliar a relação entre os indicadores de bem-estar de galinhas criadas livres em sistemas agroflorestais (SAF) e a sua produtividade em comparação com galinhas criadas em granjas com sistemas convencionais, em grandes galpões fechados, relevou resultados positivos em favor da criação de galinhas em agroflorestas.
Para realizar este estudo foi criado um projeto inovador de manejo integrado entre avicultura e uma área de produção agrícola, com objetivo de desenvolver um sistema agroflorestal que incluísse a criação de galinhas livres em ambiente semelhante a um sub-bosque, que era o habitat natural onde seus ancestrais viviam.
Um projeto com potencial para gerar mais empregos para pequenos agricultores e melhorar a qualidade de vida das aves, com isso consequentemente aumentar a produtividade e qualidade dos produtos.
O estudo foi desenvolvido pela engenheira agrônoma Nina Publio Camarero, com orientação do professor Ciro Abbud Righi, do departamento de ciências florestais da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), em Piracicaba (SP). O trabalho científico foi conduzido em uma área de seringal já existente no campus, onde há espécies forrageiras espontâneas tolerantes ao ambiente.
Incremento nos indicadores de bem-estar dos animais
Dentre os resultados da pesquisa, foi possível observar a manifestação de comportamentos diferentes nas galinhas criadas na agrofloresta em comparação com as galinhas criadas em granjas convencionais. Os animais criados dentro do sistema agroflorestal apresentaram maiores indicadores de bem-estar animal e maior incidência de atividades naturais saudáveis.
“Ao longo dos anos, com a criação em larga escala, esses animais foram se transformando em máquinas produtivas de ovos e carne. Só que essa produção em massa, muitas vezes, esquece do pequeno detalhe de que aquele animal tem muitas necessidades comportamentais e físicas que muitas vezes são desrespeitadas nesses galpões ou gaiolas muito aglomerados, o que gera um estresse muito grande nas aves”, argumentou a pesquisadora, em entrevista ao podcast Estação Esalq.
Aumento na produtividade e na qualidade dos ovos
A pesquisadora explicou que as aves criadas na agrofloresta apresentaram produção de ovos maior porque iniciaram a postura mais precocemente e de maneira mais uniforme desde o início da fase produtiva. “No começo do segundo mês da produção, as aves estabilizaram a postura e mantiveram-se com a produtividade elevada. Muito provavelmente a influência da luminosidade natural do sistema em SAF colaborou com a regulação do fotoperíodo, o que resultou em maior uniformidade”, detalha a autora do estudo.
Em granjas convencionais, com sistema confinado, as aves demoraram mais para regular a fase de produção e só a partir do momento em que a cortina do galpão fica aberta por 24 horas, a postura das aves confinadas aumenta.
O estudo demonstrou que as proporções de biomassa de casca, gema e clara foram semelhantes quando comparados o sistema de criação convencional com o sistema de criação na agrofloresta. A cientista explicou também que não houve diferença no manejo, já que as galinhas eram da mesma espécie e mesma idade, características importantes que fazem diferença nos ovos.
Os ovos produzidos no galpão apresentaram um peso um pouco maior do que os ovos produzidos no sistema agroflorestal, mas a coloração da gema, que é um aspecto relevante no valor do produto final, teve resultado diferentes nos dois sistemas, mesmo sendo ofertada a mesma formulação de ração.
Metodologia aplicada pela pesquisa
Para implementar este estudo, foram levantados dados de indicadores de bem-estar animal a partir de etogramas e observações semanais das galinhas criadas dentro do sistema agroflorestal e comparando com um segundo experimento, com galinhas criadas confinadas em galpões, como em granjas convencionais.
“Estruturamos um galinheiro móvel e realizamos pastejo rotacionado. Também avaliamos a qualidade de ovos durante o início do período de postura”, conta a pesquisadora.
Usando um espectro colorimétrico, contendo 16 tonalidades diferentes variando desde o amarelo claro (1) até um tom alaranjado (16), a cor de gema média avaliada foi de 8,3 (amarelo mais intenso) nos ovos das galinhas criadas na agrofloresta e 6,8 (amarelo mais fraco) para os ovos das galinhas criadas em galpão. Embora os ovos de galinhas criados em galpão fossem maiores e mais pesados, os ovos das aves criadas na agrofloresta apresentaram gema de coloração mais acentuada, atrativo ao consumidor final, agregando mais valor de mercado.
“A gente introduziu essas aves em setembro de 2019 e agora estamos acompanhando o desenvolvimento desses animais, a produtividade, análises de bem-estar e a qualidade desses ovos e a gente tem tido resultados bastante interessantes que estou aprofundando no meu mestrado”, acrescentou a pesquisadora.
Conclusão alcançada com a pesquisa
“A criação de aves em sistema agroflorestal é muito promissora por associar a criação de animais em ambientes próximos ao natural. Além disso, resulta em aumento na rentabilidade de sistemas já consolidados com espécies agrícolas. Soma-se a isso o fato de a avicultura convencional ser alvo de críticas quanto à falta de bem-estar aos animais”, conta a engenheira agrônoma.
O professor e orientador reforça que a implantação deste tipo de sistema produtivo aumenta a eficiência. “O que era um problema, como as plantas daninhas que devem ser controladas, passa a ter vários aspectos positivos como a diversificação da alimentação das aves, o controle destas plantas sem custo, a produção de ovos e a fertilização da área pelas excretas que têm grande concentração de nitrogênio etc. O valor agregado dos ovos de melhor qualidade possibilita que os produtores tenham um aumento de renda associado a uma melhoria nas condições de criação destas importantes aves”.
“O apelo de consumidores por produtos que prezam pelo bem-estar animal tem encontrado eco ao redor do mundo. Mais recentemente grandes empresas do setor e varejistas mundiais anunciaram que em poucos anos os produtos comercializados de origem animal serão certificados de acordo com as medidas que asseguram o bem-estar animal”, destaca a pesquisadora.
Mediante os resultados promissores obtidos com a criaçao de galinhas em sistema agroflorestal, a pesquisadora está empolgada para aprofundar a pesquisa em seu mestrado, desenvolvido no programa de ecologia aplicada interunidades (ESALQ/CENA).
“Também iremos avaliar a criação de frangos para a produção de carne e contamos com o apoio de diversos professores da escola. O desenvolvimento de pesquisas multidisciplinares como essa é muito desafiante e muito promissor”, conclui ela.
Confira, em formato de podcast, a entrevista completa com a pesquisadora clicando aqui.